A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tornou
produtiva a terra ácida e arenosa do cerrado brasileiro. Esse milagre
tem grandes chances de se repetir na África, com seus quase 400 milhões
de hectares de savana. Como dizem e pedem os africanos: temos sol, água e
terras. Falta a Embrapa! Mas essa admiração conquistada pela Embrapa,
aqui e no exterior, está em risco. A empresa perdeu foco e orientação
estratégica nos últimos anos. A Embrapa está em crise, deixando sem
resposta problemas graves da agricultura brasileira.
Em 1973, quando foi criada a Embrapa, o País vivia a década do
milagre econômico, mas era importador de alimentos. Os investimentos
feitos na época em infraestrutura de transportes, comunicações e
armazenamento pelo governo federal começaram a promover uma mudança na
exploração agrícola. Com estrutura física modesta, alguns veículos,
poucos implementos e muita vontade, os pioneiros da empresa que nascia
formaram as equipes de trabalho. Mais de mil jovens pesquisadores foram
enviados às melhores universidades da Europa e dos EUA para mestrados e
doutorados, num dos maiores programas de capacitação em pesquisa já
realizados no Brasil.
Do nascimento da Embrapa aos dias de hoje, tornamo-nos uma potência
agrícola. A sexta economia do mundo tem no agronegócio 25% de toda a
riqueza gerada no País. Somos os maiores produtores mundiais de soja,
milho, café, suco de laranja e etanol. E os maiores exportadores de
carne bovina. A tecnologia da Embrapa e parceiros tropicalizou a
produção de soja e levou o grão do Sul para o Nordeste, o Centro-Oeste e
até para os Estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, a novíssima
fronteira agrícola brasileira. Uma reinvenção da agricultura tropical,
com formidáveis conquistas em produtividade e conservação de solos.
Hoje, nos 47 centros de pesquisa em todo o Brasil, que contribuíram
para esse processo, aparecem sinais de fadiga. Muitos não acompanham o
desenvolvimento tecnológico de produtos aos quais estão ligados. A
contribuição para as sementes melhoradas caiu vertiginosamente. Cerca de
70% a 80% da soja, 60% do milho e 80% do algodão vêm de programas de
melhoramento genético privado. Empresários do meio rural cada vez mais
buscam soluções e inovações em outros países. Na outra ponta, a Embrapa
parece abandonar seus programas voltados para a pequena agricultura e o
combate à miséria no campo.
A omissão da Embrapa no debate do Código Florestal é outro exemplo.
Os impactos da implantação das áreas de proteção permanente em beiras de
rios deveriam ter sido pesquisados pela empresa nos últimos anos para
apresentar respostas técnicas às demandas do Legislativo e da sociedade,
antes da votação da matéria. Houve omissão e censura científica.
Pesquisadores foram proibidos de se manifestar sobre o tema em nota da
direção da Empresa, assunto denunciado publicamente durante a Rio+20.
A falta de transparência da atual gestão é mais um problema. Nos
últimos três anos criou-se na Embrapa uma nova estrutura para gestão de
projetos internacionais de cooperação, as plataformas Africa-Brazil
Marketplace e Latin America-Caribe Marketplace, com recursos do Banco
Mundial, do Fórum para Pesquisa Agrícola na África e da Fundação Bill
& Melinda Gates, entre outras instituições. O Departamento de
Pesquisa e Desenvolvimento, que centraliza os programas e projetos da
Embrapa, não participa diretamente da coordenação. O montante exato de
recursos captados até o momento é desconhecido e não há clareza sobre
quem audita tais plataformas.
A crise na direção da empresa, debatida pelo setor agrícola, chegou à
mídia com artigos neste jornal (Os problemas da Embrapa, em 22 de
março; A Embrapa perdeu o bonde, em 1º de abril; O bonde da Embrapa, em
17 de abril) e no jornal Valor Econômico (Embrapa perde terreno na
pesquisa agrícola, em 21 de março), entre outros, sem que sua diretoria
apresentasse um contraponto ou sua visão sobre os problemas levantados.
A Embrapa é uma federação de redes. Suas unidades refletem os
diversos elos da agricultura e pecuária brasileira em todos os sentidos:
social, econômico e político. A empresa pretende ampliar sua atuação
para a África e América Latina e não tem uma atuação estruturada nas
mídias sociais. Isso tanto no aspecto da interação e articulação das
suas próprias células quanto na sua relação com seu mercado atual, os
que pretende conquistar e o público, considerando esse contexto. Esse
comportamento em relação às mídias tradicionais e digitais reflete o
âmago da crise da empresa: falta de visão estratégica e menosprezo pelas
demandas da sociedade.
Acompanho a Embrapa desde o final dos anos 70. Como repórter, estive
presente na implantação de alguns de seus novos centros no Nordeste e no
Sudeste, tendo sido, por vários anos, membro do Conselho Assessor
Externo de uma de suas unidades. A constatação é preocupante: a Embrapa
vem perdendo sua visão estratégica e, consequentemente, seu
protagonismo. Relega a obtenção de patentes e se consola com um papel de
coadjuvante no desenvolvimento da agricultura brasileira, com uma pauta
voltada para o socioambiental. A grande produção agrícola nacional
dependerá exclusivamente da pesquisa privada? Ou, pior ainda, de
programas de pesquisa da Embrapa definidos e coordenados do exterior?
Ao longo do recente 11º Congresso Brasileiro do Agronegócio,
promovido pela Abag em São Paulo, ficou evidente a ausência de
referências à participação da Embrapa no enfrentamento dos desafios
atuais da agricultura, apesar dos discretos, mas incisivos apelos
dirigidos à sua diretoria nesse sentido. A Embrapa é um patrimônio do
Brasil. A direção da empresa parece sofrer da síndrome do sapo fervido. A
água está em ebulição. E o sapo continua ali, parado, sendo fervido
lentamente.
Sol, água, terra e... Embrapa! A equação africana também é verdadeira para o Brasil.
Fonte: Estadão
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