sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Para entender a polêmica da hora extra do celular fora do trabalho

Capa da Folha de hoje (12/1/12):

Celular fora do trabalho pode dar hora extra
 
A legislação, que alterou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), diz que o uso de celular ou e-mail para contato entre empresas e funcionários equivale, para fins jurídicos, às ordens dadas diretamente aos empregados.

De acordo com advogados especializados, a mudança abre espaço para que funcionários que usam o celular para trabalhar após o horário de expediente, por exemplo, recebam horas extras por isso (…)

É uma interpretação oposta à de entidades empresariais, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria), que rebatem que o objetivo do projeto de lei do deputado Eduardo Valente, de 2004, que deu origem à mudança da CLT, era somente regular o trabalho à distância (…)
A mudança na legislação já faz com que o TST (Tribunal Superior do Trabalho) considere revisar uma súmula, de maio do ano passado, que estabelece que o uso de pagers ou celulares corporativos não caracteriza o ‘regime de sobreaviso’.

Se o funcionário está de sobreaviso, a lei determina que a empresa pague a ele um terço do valor que desembolsaria na hora do expediente


A matéria se refere à Lei 12.551/11, que modificou o artigo 6º da CLT. Para entender o que está sendo debatido, precisamos primeiro entender o que foi modificado. Antes a lei dizia o seguinte:

Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego

Agora ela diz que:

“Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único - Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.


Há dois pontos novos. Primeiro, a lei deixou claro que o trabalho à distância é igual ao trabalho em um escritório ou em casa. Antes ela citava apenas dois lugares: casa e estabelecimento do empregador. Não havia, por exemplo, menção ao estabelecimento do cliente. Um consultor que gasta a maior parte de seu tempo no escritório do cliente ou um profissional que passa a maior parte de seu tempo na rua não estão nem em suas casas nem nos estabelecimentos dos empregadores. Muitas vezes os magistrados tinham que esticar a interpretação para amparar uma gama enorme de pessoas que trabalham à distância.

E o parágrafo único, que é o segundo ponto novo, diz que as relações laborais através de e-mails, telefones, SMS etc (meios telemáticos e informatizados) são iguais às relações laborais pessoais. Uma ordem recebida por email tem o mesmo valor de uma ordem recebida pessoalmente.

Agora precisamos distinguir três situações:

Se você é um piloto, especialista em segurança ou médico que precisa responder ao telefone celular ou ao email porque está de sobreaviso, isso significa que você não está trabalhando mas deve estar preparado para trabalhar. A lei obriga a empresa a pagar por isso porque sua liberdade está de alguma forma tolhida. O médico, por exemplo, não pode beber com os amigos no bar da esquina se a qualquer momento ele pode ser chamado para ajudar alguém a dar a luz. Óbvio que se aquele profissional receber a ligação dizendo que ele precisa trabalhar, ele deixa de estar de sobreaviso e passa a estar trabalhando, e o valor a ser recebido é outro.

Se você tem um celular, um pager ou um laptop da empresa que você leva para a casa e não usa, você obviamente não está trabalhando. Logo a empresa não te deve nada. É a mesma coisa que levar um uniforme para casa. Você não está trabalhando só porque o uniforme está pendurado em seu armário enquanto você assiste TV ou dorme.

Mas e se você tem um pager, um celular etc que você pode usar fora do horário de trabalho, para resolver problemas de trabalho? Se você está apenas carregando o equipamento, sem usa-lo, você está na situação anterior. Se você é obrigado a responde-lo, você está de sobreaviso (a primeira situação acima). Mas e se você pode responde-lo, sem ser obrigado formalmente a faze-lo?

Lendo a lei acima, a conclusão mais óbvia é que se você responde-lo você estará trabalhando. Mas o empregador não te contratou para isso. Ele deixou o celular com você porque é a solução mais prática. Você é quem resolveu responder seus e-mails de trabalho fora do trabalho. Mas é mesmo? Afinal, muitas empresas e patrões esperam que você responda o email rapidamente e atenda o telefone a qualquer hora. Se há a expectativa, há, no mínimo, o sobreaviso.

O problema é complicado porque se a Justiça adotar uma solução única, ela cometerá uma injustiça com um dos lados (por exemplo, presumindo que toda empresa que deixa o celular com o empregado tem a expectativa de que ele irá usa-lo, e por isso a obriga a pagar pelo sobreaviso/trabalho, mesmo que isso não seja verdade). A outra solução seria analisar as intenções do empregador em cada caso, mas isso gerará milhões de ações na Justiça.

Esse não é um problema só no Brasil. Foi justamente para evitar esse tipo de dúvida jurídica que, como a Folha divulgou, na Alemanha, a Volkswagen e o sindicato acordaram em dezembro que o sistema de emails (Blackberry) de seus funcionários seria desligado 30 minutos depois do expediente e somente religa-lo 30 minutos antes do início do expediente do dia seguinte. Dessa forma a empresa deixa claro que não há expectativa de que os funcionários respondam e-mails fora do horário de trabalho, e os trabalhadores sabem que os celulares permanecem consigo apenas por uma questão logística.

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