quinta-feira, 28 de julho de 2011

Dieese desconstrói mito de que trabalhador custa o dobro do seu salário para empregador

Diante da discussão, dentro do governo, de uma proposta de desoneração dos encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamento, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgou a Nota Técnica 101/2011 explicando que o setor empresarial calcula esses encargos a partir de um conceito muito restrito de salário. O documento desconstrói a falsa ideia de que um trabalhador custa para o seu empregador duas vezes mais do que o seu salário.

De acordo com os técnicos que assinam a nota, a polêmica sobre os encargos sociais nasce de duas principais interpretações. “Uma delas é de grande aceitação entre os empresários e alguns círculos acadêmicos que exercem influência destacada sobre o pensamento empresarial”. A partir dela, chega-se à conclusão de que os encargos sociais no Brasil são elevados e atingiriam 102% da folha de pagamentos. De acordo com essa interpretação, um trabalhador contratado por mil reais custaria mais de R$ 2 mil para a empresa, por conta dos encargos sociais.

A segunda interpretação, adotada pelo Dieese e por pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), segundo a Nota Técnica, conclui que o peso dos encargos sociais é de 25% sobre a remuneração total do trabalhador. A interpretação do órgão de assessoramento é que o salário é a remuneração total recebida integral e diretamente pelo trabalhador.

Essa remuneração subdivide-se em três partes: salário contratual recebido mensalmente, inclusive nas férias; salário diferido (ou adiado), recebido uma vez a cada ano (13º salário e 1/3 de férias); e salário recebido eventualmente (FGTS e outras verbas rescisórias). Para o Dieese, todas essas partes constituem aquilo que o trabalhador "põe no bolso", seja em dinheiro vivo, ou na forma de uma espécie de conta poupança aberta em seu nome pelo empregador (o FGTS, que constitui um patrimônio individual do trabalhador).

Como se chega ao percentual de 102% sobre os salários

Para se chegar a um percentual de 102% de encargos sociais, parte-se de um conceito bastante restrito de salário como sendo somente a remuneração pelo que chama de tempo efetivamente trabalhado. Desse cálculo são excluídas parte da remuneração relativa ao repouso semanal remunerado; férias remuneradas; adicional de 1/3 sobre o valor das férias; feriados; 13º salário; aviso prévio em caso de demissão sem justa causa por iniciativa do empregador; despesas de rescisão contratual (equivalentes à multa sobre o saldo do FGTS) e a parcela do auxílio-doença custeada pelo empregador, os três últimos calculados com base em uma média de incidência sobre o total de empregados.

Todos esses itens excluídos da remuneração básica do trabalhador são considerados como encargos sociais, juntamente com as obrigações recolhidas ao INSS, para custeio da Previdência Social, salário-educação, seguro de acidentes do trabalho, assistência social e formação profissional (o chamado Sistema S), reforma agrária (Incra) e incentivo às micro e pequenas empresas (Sebrae).

Como se chega ao percentual de 25% sobre os saláriosO cálculo do Dieese considera a remuneração média mensal total recebida integral e diretamente pelo trabalhador, que compõe-se de duas partes. A primeira delas refere-se ao salário médio mensal recebido de fato a cada ano pelo trabalhador, enquanto o mesmo se encontra empregado. Esta parte é obtida pela adição, ao valor do salário contratual registrado na carteira, do percentual relativo à proporção mensal do 13º salário (8,33%) e do percentual relativo à proporção mensal do adicional de 1/3 de férias (2,78%), ambos recebidos anualmente. Essa primeira parte, portanto, equivale a 11,11% do salário contratual mensal e constitui-se a base de cálculo dos encargos sociais recolhidos ao governo.

A segunda parte da remuneração média mensal total recebida pelo trabalhador é composta pelo percentual de recolhimento do FGTS (8% sobre o salário contratual mensal, sobre o 13º salário e sobre o adicional de 1/3 de férias) e pelo percentual relativo à proporção mensal do impacto das verbas indenizatórias, nos casos de rescisão contratual sem justa causa por iniciativa do empregador, sobre o valor do salário contratual.

“A diferença entre o montante que a empresa desembolsa e a remuneração total recebida integral e diretamente pelo trabalhador é que representa os encargos sociais incidentes sobre a folha de pagamentos, que são recolhidos ao governo, sendo alguns deles repassados para entidades patronais de assistência e formação profissional (Sesi, Senai, Sesc, Senac etc)”, explica a nota do Dieese.

Presidente da CUT diz que debate está “enviesado”

Artur Henrique, presidente da CUT, comemorou a divulgação da nota pelo Dieese. O documento “desmonta a tese, alardeada pelos empresários, de que o salário de cada trabalhador custa mais que o dobro para os empregadores”, afirmou em seu blog (http://arturcut.wordpress.com/).

Em entrevista ao jornal Valor Econômico desta quarta-feira (27/7), Artur critica a falsa ideia de que a desoneração automaticamente diminui o custo da mão de obra no Brasil. “Fala-se muito que o custo da mão de obra é muito caro, os encargos são muito altos etc., mas não falam do custo da mão de obra, que na indústria é US$ 2,70 a hora, enquanto nos país desenvolvidos e nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é pelo menos duas ou três vezes mais do que isso”, afirma.

Para ele, o setor empresarial tem interesse em “enviesar” o debate a partir da falsa premissa de que o problema no Brasil são os encargos, “sem levar em consideração que o problema ainda é a remuneração baixa”. Na entrevista, Artur afirma que ninguém discute esse dado quando se debate competitividade. “Só se discute competitividade para diminuir os direitos, em vez de aumentar os salários ou melhorar as condições de trabalho em alguns países, como na China, na Índia ou na própria Rússia”. Para ele, a questão não é ser contra ou a favor da desoneração da folha, mas debater o assunto de forma ampla.

“A desoneração da folha não pode ser tratada sem levar em consideração a forma como a sociedade brasileira vai garantir um sistema de proteção social. Não é possível beneficiar um setor da sociedade, como a indústria, e toda a sociedade pagar por isso. Nós precisamos discutir de onde sairá o dinheiro para cobrir esse rombo que vai se dar na Previdência. É disso que se trata. Nós queremos ter acesso aos números, aos dados do governo, inclusive para discutir a questão faturamento, em vez de ser folha de pagamento. Mas queremos os dados para não fazer uma aposta errada”.

Clique aqui para ler a nota do Dieese>>

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